terça-feira, 14 de agosto de 2007

1º ano - Filosofia Política(2)


As teorias teológico-políticas

As teorias do poder teológico-político, embora tenham recebido diferentes formulações no correr da Idade Média, variando conforme as condições históricas exigiam, apresentavam os seguintes pontos em comum:

• o poder é teocrático, isto é, pertence a Deus e dele vem aos homens por ele escolhido para representá-lo. O fundamento dessa idéia é uma passagem do Antigo Testamento onde se lê: “Todo poder vem do Alto/por mim reinam os reis e governam os príncipes”. O poder é um favor divino ou uma graça divina e o governante não representa os governados, mas representa Deus perante os governados. O regime político é a monarquia teocrática em que o monarca é rei pela graça de Deus. A comunidade política se forma pelo pacto de submissão dos súditos ao rei;

• o rei traz a lei em seu peito e o que apraz ao rei tem força de lei. O rei é, portanto, a fonte da lei e da justiça – afirma-se que é pai da lei e filho da justiça. Sendo autor da lei e tendo o poder pela graça de Deus, está acima das leis e não pode se julgado por ninguém, tendo poder absoluto. (...)
Se não foi o povo quem deu o poder ao rei, pois o povo não tem o poder, uma vez que este a Deus pertence, o povo também não pode julgar o rei nem tirar-lhe o poder. Se um rei for tirânico e injusto, nem assim os súditos podem resistir-lhe nem depô-lo, pois ele está no poder pela vontade de Deus, que, para punir os pecados do povo, o faz sofrer sob um tirano. Este é um flagelo de Deus. Porque o poder vem do alto, porque o rei é o pai da lei e está acima dela, e porque os súditos fizeram pacto de submissão, o rei é intocável;

• a comunidade e o rei formam o corpo político: a cabeça é a coroa ou o rei, o peito é a legislação sob a guarda dos magistrados e conselheiros do rei, os membros superiores são os senhores ou barões que formam os exércitos do rei e a ele estão ligados por juramento de fidelidade ou de vassalagem, e os membros inferiores são o povo que trabalha para o sustento do corpo político. A polis platônica é, assim, transformada no corpo político do rei.

Marilena Chauí, Convite à Filosofia, São Paulo,
Ática, 1999, p.p. 389-390.



São Paulo Apóstolo (? – 67 d.C.)

Todos se submetem às autoridades constituídas. Pois não há autoridade que não venha de Deus, e as existentes foram instituídas por Deus. De sorte que quem resistir à autoridade resiste à ordem de Deus; e os que se opõem, atraem sobre si a condenação. Na verdade os magistrados não inspiram medo quando se faz o bem, mas quando se faz o mal. Queres viver sem medo da autoridade? Pratica o bem e terás aprovação. Pois ela é instrumento de Deus para o teu bem. Se praticares o mal, porém, teme, porque não é sem razão que leva consigo a espada. É o ministro de Deus para vingar-se castigando a quem praticar o mal. É necessário, pois, submeter-se não só por temor do castigo mas por dever de consciência. Por isso também pagais os impostos. São ministros de Deus os magistrados que prestam continuamente este serviço. Pagai a todos o que lhe compete: o imposto a quem deveis imposto, a taxa a quem deveis taxa, o temor a quem deveis temor, a honra a quem deveis honra.

Epístola aos Romanos, XIII, 1-7, Bíblia Sagrada, Ed. Vozes, 1982.






São Tomás de Aquino (1225-1274)

O governo comum da natureza é exercido por um só. Com efeito, entre a grande quantidade de membros, existe um que movimenta a todos: o coração. E entre as partes da alma, uma única força comanda principalmente: a razão. Do mesmo modo, as abelhas possuem um só rei. E em todo o universo só existe um Deus criador que governa todas as coisas. E esta é a única razão. Pois toda multidão deriva do um. Eis porque se as coisas que são do âmbito da natureza e se uma obra de arte é tanto melhor quanto melhor reproduz a similitude do que existe na natureza, é necessário que para a multidão dos homens o melhor seja ser governado por um só.

São Tomás de Aquino, De Regno ou De Regimine Principum.
Imagem:Velazquez - Papa Inocêncio X

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

1º ano Tema:Filosofia Política


Introdução à Filosofia Política

A vida boa

Quando lemos os filósofos gregos e romanos, observamos que tratam a política como um valor e não como um simples fato, considerando a existência política como finalidade superior da vida humana, como a vida boa, entendida como racional, feliz e justa, própria dos homens livres. Embora considerem a forma mais alta de vida a do sábio contemplativo, isto é, do filósofo, afirmam que, para os não-filósofos, a vida superior só existe na Cidade justa e, por isso mesmo o filósofo deve oferecer conceitos verdadeiros que auxiliem na formulação da melhor política para a Cidade.
Política e Filosofia nasceram na mesma época. Por serem contemporâneas, diz-se que “a Filosofia é filha da polis” e muitos dos primeiros filósofos (os chamados pré-socráticos) foram chefes políticos e legisladores de suas cidades. Por sua origem, a Filosofia não cessou de refletir sobre o fenômeno político, elaborando teorias para explicar sua origem, sua finalidade e suas formas. A esses filósofos devemos a distinção entre poder despótico e poder político.

O vocabulário da política
O historiador helenista Moses Finley, estudando as sociedades grega e romana, concluiu que o que chamamos de política foi inventado pelos gregos e romanos.
Antes de examinarmos o que foi invenção, já podemos compreender a origem greco-romana do que chamamos de política pelo simples exame do vocabulário usado em política: democracia, aristocracia, oligarquia, tirania, despotismo, anarquia, monarquia são palavras gregas que designam regimes políticos; república, império, poder, cidade, ditadura, senado, povo, sociedade, pacto, consenso são palavras latinas que designam regimes políticos, agentes políticos, formas de ação política.
A palavra política é grega: ta politika, vinda de polis.
Polis é a Cidade, entendida como a comunidade organizada, formada pelos cidadãos (politikos), isto é, pelos homens nascidos no solo da Cidade, livres e iguais, portadores de dois direitos inquestionáveis, a isonomia (igualdade perante a lei) e a isegoria (o direito de expor e discutir em público opiniões sobre ações que a Cidade deve ou não deve realizar).
(...)
Civitas é a tradução latina de polis, portanto, a Cidade como ente público e coletivo. Res publica é a tradução latina para ta politika,significando, portanto, os negócios públicos dirigidos pelo populus romanus, isto é, os patrícios ou cidadão livres e iguais, nascidos no solo de Roma.
Polis e civitas correspondem (imperfeitamente) ao que, no vocabulário político moderno, chamamos de Estado: o conjunto das instituições públicas (leis, erário público, serviços públicos) e sua administração pelos membros da Cidade.
Ta politika e res publica correspondem (imperfeitamente) ao que designamos modernamente por práticas políticas, referindo-se ao modo de participação no poder, aos conflitos e acordos na tomada de decisões e na definição das leis e de sua aplicação, no reconhecimento dos direitos e das obrigações dos membros da comunidade política e às decisões concernentes ao erário ou fundo público.
Dizer que os gregos e romanos inventaram a política não significa dizer que, antes deles, não existiam o poder e a autoridade políticos propriamente ditos. (...)
Marilena Chauí, Convite à Filosofia, São Paulo, Editora Ática, 1999, pp.379 e 371-372.

Aristóteles (384-322 a.C.)
“Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade, e que toda comunidade é constituída em função de um certo bem – pois é para obter o que aparece como um bem que todos os homens realizam sempre suas ações: daí resulta claramente que se todas as comunidades visam um determinado bem, a que é a mais excelente de todas e que engloba todas as outras, visa mais do que elas a um bem que é o mais excelente de todos. Está comunidade é a que chamamos de cidade (polis), é a comunidade política” (Política, I, 1, 1253 a 1-6).
“A cidade (polis) encontra-se entre a grande quantidade de realidades que existem naturalmente, e o homem é por natureza um animal político. E aquele que não tem cidade, naturalmente e não em razão das circunstâncias, é ou um ser degradado ou superior aos homens.” (Política, I, 2, 1253 a)
“Viver bem é o fim do Estado... isto é, viver felizes e virtuosos” (Política, III, 6, 1280) “Mas como o bem é o fim de todas as ciências e as artes, e o máximo bem está sobretudo na suprema arte entre todas que é o poder político, assim o bem político é o justo”. (Política, III, 7, 1283, in Mondolfo, Rodolfo, O Pensamento Antigo, São Paulo, Ed. Mestre Jou, 1965, p.78)



As formas de governo

(...) Aristóteles estabelece uma tipologia das formas de governo que se tornou clássica. Usa o critério do número, da quantidade, para distinguir a monarquia (ou governo de um só), a aristocracia (ou governo de um pequeno grupo) e a politéia (ou governo da maioria).
Em seguida, usando o critério axiológico (de valor), Aristóteles considera que as três formas podem ser consideradas boas, quando visam o interesse comum, e más, corrompidas, degeneradas, quando têm como objetivo o interesse particular.
Portanto, a cada uma das três formas boas descritas correspondem respectivamente três formas degeneradas: a tirania se refere ao governo de um só quando visa o interesse próprio; a oligarquia prevalece quando vence o interesse dos mais ricos ou nobres; e a democracia quando a maioria pobre governa em detrimento da minoria rica.
(...)
Embora considere a monarquia, a aristocracia ou a politéia formas corretas e adequadas ao exercício do poder, Aristóteles prefere a última. Talvez isso se deva à constatação feita de que a tensão política sempre deriva da luta entre ricos e pobres; se um regime conseguir conciliar esses antagonismos, torna-se mais propício para assegurar a paz social. (...)
Maria Lúcia de A. Aranha e Maria Helena P.Martins, Filosofando – Introdução à Filosofia,
São Paulo, Editora Moderna, 1994, pp.195-196.
Imgem:Leo Von Klenze - Acropolis at Athens