As teorias teológico-políticas
As teorias do poder teológico-político, embora tenham recebido diferentes formulações no correr da Idade Média, variando conforme as condições históricas exigiam, apresentavam os seguintes pontos em comum:
• o poder é teocrático, isto é, pertence a Deus e dele vem aos homens por ele escolhido para representá-lo. O fundamento dessa idéia é uma passagem do Antigo Testamento onde se lê: “Todo poder vem do Alto/por mim reinam os reis e governam os príncipes”. O poder é um favor divino ou uma graça divina e o governante não representa os governados, mas representa Deus perante os governados. O regime político é a monarquia teocrática em que o monarca é rei pela graça de Deus. A comunidade política se forma pelo pacto de submissão dos súditos ao rei;
• o rei traz a lei em seu peito e o que apraz ao rei tem força de lei. O rei é, portanto, a fonte da lei e da justiça – afirma-se que é pai da lei e filho da justiça. Sendo autor da lei e tendo o poder pela graça de Deus, está acima das leis e não pode se julgado por ninguém, tendo poder absoluto. (...)
Se não foi o povo quem deu o poder ao rei, pois o povo não tem o poder, uma vez que este a Deus pertence, o povo também não pode julgar o rei nem tirar-lhe o poder. Se um rei for tirânico e injusto, nem assim os súditos podem resistir-lhe nem depô-lo, pois ele está no poder pela vontade de Deus, que, para punir os pecados do povo, o faz sofrer sob um tirano. Este é um flagelo de Deus. Porque o poder vem do alto, porque o rei é o pai da lei e está acima dela, e porque os súditos fizeram pacto de submissão, o rei é intocável;
• a comunidade e o rei formam o corpo político: a cabeça é a coroa ou o rei, o peito é a legislação sob a guarda dos magistrados e conselheiros do rei, os membros superiores são os senhores ou barões que formam os exércitos do rei e a ele estão ligados por juramento de fidelidade ou de vassalagem, e os membros inferiores são o povo que trabalha para o sustento do corpo político. A polis platônica é, assim, transformada no corpo político do rei.
Marilena Chauí, Convite à Filosofia, São Paulo,
Ática, 1999, p.p. 389-390.
São Paulo Apóstolo (? – 67 d.C.)
Todos se submetem às autoridades constituídas. Pois não há autoridade que não venha de Deus, e as existentes foram instituídas por Deus. De sorte que quem resistir à autoridade resiste à ordem de Deus; e os que se opõem, atraem sobre si a condenação. Na verdade os magistrados não inspiram medo quando se faz o bem, mas quando se faz o mal. Queres viver sem medo da autoridade? Pratica o bem e terás aprovação. Pois ela é instrumento de Deus para o teu bem. Se praticares o mal, porém, teme, porque não é sem razão que leva consigo a espada. É o ministro de Deus para vingar-se castigando a quem praticar o mal. É necessário, pois, submeter-se não só por temor do castigo mas por dever de consciência. Por isso também pagais os impostos. São ministros de Deus os magistrados que prestam continuamente este serviço. Pagai a todos o que lhe compete: o imposto a quem deveis imposto, a taxa a quem deveis taxa, o temor a quem deveis temor, a honra a quem deveis honra.
Epístola aos Romanos, XIII, 1-7, Bíblia Sagrada, Ed. Vozes, 1982.
São Tomás de Aquino (1225-1274)
O governo comum da natureza é exercido por um só. Com efeito, entre a grande quantidade de membros, existe um que movimenta a todos: o coração. E entre as partes da alma, uma única força comanda principalmente: a razão. Do mesmo modo, as abelhas possuem um só rei. E em todo o universo só existe um Deus criador que governa todas as coisas. E esta é a única razão. Pois toda multidão deriva do um. Eis porque se as coisas que são do âmbito da natureza e se uma obra de arte é tanto melhor quanto melhor reproduz a similitude do que existe na natureza, é necessário que para a multidão dos homens o melhor seja ser governado por um só.
São Tomás de Aquino, De Regno ou De Regimine Principum.
Imagem:Velazquez - Papa Inocêncio X