quarta-feira, 6 de junho de 2012

Friedrich Nietzsche/ Ética - superação da moral comum

Uma luz se acendeu para mim: é de companheiros de viagem que eu preciso, e vivos - não de companheiros mortos e cadáveres, que carrego comigo para onde quero ir.
Mas  de companheiros vivos que eu preciso, que me sigam porque querem seguir a si próprios - e  para onde eu quero ir.
Uma luz se acendeu para mim: não é ao povo que deve falar Zaratustra, mas a companheiros! Não deve Zaratustra tornar-se pastor e cão de um rebanho.
Desgarrar muitos do rebanho - foi para isso que eu vim.Devem vociferar contra mim povo e rebanho: rapinante quer chamar-se Zaratustra para os pastores.
Pastores digo eu, mas eles se denominam os bons e justos. Pastores digo eu: mas eles se denominam os crentes da verdadeira crença.
Vede os bons e justos! Quem eles odeiam mais? Aquele que quebra suas tábuas de valores, o quebrador, o infrator: - mas este é o criador.
Vede os crentes de toda crença! Quem eles odeiam mais? Aquele que quebra suas tábuas de valores, o quebrador, o infrator: - mas este é o criador.

Nietzsche, Friedrich. Assim Falou Zaratustra, Col. Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1983, p.228.



(...) Não nego, como se entende por si mesmo - pressuposto que não sou nenhum parvo - , que muitas ações que se chamam não-éticas devam ser evitadas, combatidas; do mesmo modo, que muitas que se chamam éticas devam ser feitas e propiciadas, mas penso: em um como no outro caso, por outros fundamentos do que até agora. Temos de aprender a desaprender - , para afinal, talvez muito tarde, alcançar ainda mais: mudar de sentir.

Idem. Aurora - Pensamentos Sobre Os Preconceitos Morais/ Livro II, § 103, Col. Os Pensadores. São Paulo, Nova Cultural, 1999, p.151.

Baruch Espinosa/Deus

A POTÊNCIA DE DEUS NÃO É SENÃO A LIVRE NECESSIDADE DE SUA ESSÊNCIA

O vulgo entende por potência de Deus a livre vontade de Deus e o seu poder sobre todas as coisas que existem, as quais, por esse fato, são comumente consideradas como contingentes. Efetivamente, diz-se que Deus tem o poder de tudo destruir e de tudo reduzir ao nada. Vai-se mais longe, e compara-se, muitas vezes, o poder de Deus ao dos reis. Mas nós já refutamos isso (...) e demonstramos que Deus age em virtude da mesma necessidade pela qual se compreende a si mesmo, isto é, que do mesmo modo que se segue da necessidade da natureza de Deus que Deus se compreenda a si mesmo (o que todos admitem unanimente), segue-se igualmente, com a mesma necessidade, que Deus produza coisas infinitas, numa infinidade de modos. Além disso, demonstramos (...) que a potência de Deus não é senão a essência ativa de Deus; por consequência, é-nos tão impossível conceber que Deus não age como conceber que Deus não existe. Além disso, se eu quisesse prosseguir, poderia provar aqui que essa potência, que o vulgo atribui a Deus, não é somente uma potência humana (o que mostra que o vulgo imagina Deus como um homem, ou semelhante a um homem), mas que implica mesmo impotência. Não quero, todavia, retomar tantas vezes o mesmo assunto. (...) Com efeito, ninguém poderá compreender perfeitamente o que quero dizer, se não toma muito seriamente cuidado em não confundir a potência de Deus com a potência humana ou com o direito dos reis.

Baruch Espinosa. Ética, Livro II, escólio da proposição 3, trad. de Joaquim Ferreira Gomes.