quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Maurice Merleau-Ponty/Elogio da Filosofia

(...) O que caracteriza o filósofo é o movimento que leva incessantemente do saber à ignorância, da ignorância ao saber, e um certo repouso neste movimento.
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Qualquer filosofia é também uma arquitetura de sinais, forma-se em estreita relação com as outras formas de contato que constituem a vida histórica e social. A filosofia está no seio da história; não é nunca independente do transcurso histórico.
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Pois é impossível negar que a filosofia coxeia. Habita a história, mas queria instalar-se no seu centro, naquele ponto em que são advento, sentido nascente. Sente-se mal no já feito. Sendo expressão só se realiza renunciando a coincidir com aquilo que exprime e afastando-se dele para lhe captar o sentido (...) O filósofo dá ao homem sério - à ação, à religião, às paixões - uma atenção talvez mais aguda do que qualquer outra pessoa, mas, precisamente por isso, sente-se que ele está de fora.
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O coxear do filósofo é a sua virtude. A verdadeira ironia não é um álibi, é uma obrigação, sendo o desinteresse do filósofo o que lhe confere um certo tipo de ação entre os homens.
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No fim de uma reflexão que começa por suprimi-lo, para melhor lhe fazer experimentar os laços da verdade que o ligam ao mundo e à história, o filósofo encontra, não o abismo do eu ou do saber absoluto, mas a imagem renovada do mundo, e nela a sua própria, entre os outros. A sua dialética ou a sua ambiguidade é apenas uma maneira de dizer aquilo que cada homem muito bem sabe: o valor dos momentos em que efetivamente, a vida se renova, continuando, se reencontra e se compreende, ultrapassando-se, em que o seu mundo privado se torna mundo comum. Estes mistérios existem nele como em cada um de nós.
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O filósofo é o homem que desperta e fala, e o homem contém em silêncio os paradoxos da filosofia, porque, para ser plenamente homem, é preciso ser um pouco mais e um pouco menos do que homem.
Maurice Merleau-Ponty, Elogio da Filosofia. Tradução: Antonio Braz Teixeira, Lisboa, Guimarães Editores, 1962, p.p. 17, 75, 78, 81, 83 e 84.

Friedrich Nietzsche/Schopenhauer Como Educador

§ 8

(...)E, por fim, em que neste mundo importa a nossos jovens a história da filosofia? Será que eles devem, pela confusão das opiniões, ser desencorajados de terem opiniões? Será que devem ser ensinados a participar do coro de júbilo: como chegamos tão esplendidamente longe? Será que, porventura, devem aprender a odiar ou desprezar a filosofia? Quase se poderia pensar este último, quando se sabe como os estudantes têm de se martirizar por causa de suas provas de filosofia, para imprimir as ideias mais malucas e mais espinhosas do espírito humano, do lado das mais grandiosas e mais difíceis de captar, em seu pobre cérebro. A única crítica de uma filosofia que é possível e que além disso demonstra algo, ou seja, ensaiar se se pode viver segundo ela, nunca foi ensinada em universidades: mas sempre a crítica de palavras com palavras. E agora pense-se em uma cabeça juvenil, sem muita experiência da vida, em que cinquenta sistemas em palavras e cinquenta críticas desses sistemas são guardados juntos e misturados - que aridez, que selvageria, que escárnio, quando se trata de uma educação para a filosofia! Mas, de fato, todos reconhecem que não se educa para ela, mas para uma prova de filosofia: cujo resultado, sabiamente e de hábito, é quem sai dessa prova - ai, dessa provação! - confessa a si mesmo com um profundo suspiro: " Graças a Deus que não sou filósofo, mas cristão e cidadão do meu Estado!"
E se esse suspiro profundo fosse justamente o propósito do Estado, e a "educação para a filosofia", em vez de conduzir a ela, servisse somente para afastar da filosofia?

Friedrich Nietzsche. Schopenhauer Como Educador. Coleção Os Pensadores, São Paulo,Nova Cultural,1999, p.300