(...) O que caracteriza o
filósofo é o movimento que leva incessantemente do saber à ignorância,
da ignorância ao saber, e um certo repouso neste movimento.
(...)
Qualquer
filosofia é também uma arquitetura de sinais, forma-se em estreita
relação com as outras formas de contato que constituem a vida histórica e
social. A filosofia está no seio da história; não é nunca independente
do transcurso histórico.
(...)
Pois
é impossível negar que a filosofia coxeia. Habita a história, mas
queria instalar-se no seu centro, naquele ponto em que são advento,
sentido nascente. Sente-se mal no já feito. Sendo expressão só se
realiza renunciando a coincidir com aquilo que exprime e afastando-se
dele para lhe captar o sentido (...) O filósofo dá ao homem sério - à
ação, à religião, às paixões - uma atenção talvez mais aguda do que
qualquer outra pessoa, mas, precisamente por isso, sente-se que ele está
de fora.
(...)
O
coxear do filósofo é a sua virtude. A verdadeira ironia não é um álibi,
é uma obrigação, sendo o desinteresse do filósofo o que lhe confere um
certo tipo de ação entre os homens.
(...)
No
fim de uma reflexão que começa por suprimi-lo, para melhor lhe fazer
experimentar os laços da verdade que o ligam ao mundo e à história, o
filósofo encontra, não o abismo do eu ou do saber absoluto, mas a imagem
renovada do mundo, e nela a sua própria, entre os outros. A sua
dialética ou a sua ambiguidade é apenas uma maneira de dizer aquilo que
cada homem muito bem sabe: o valor dos momentos em que efetivamente, a
vida se renova, continuando, se reencontra e se compreende,
ultrapassando-se, em que o seu mundo privado se torna mundo comum. Estes
mistérios existem nele como em cada um de nós.
(...)
O
filósofo é o homem que desperta e fala, e o homem contém em silêncio os
paradoxos da filosofia, porque, para ser plenamente homem, é preciso
ser um pouco mais e um pouco menos do que homem.
Maurice
Merleau-Ponty, Elogio da Filosofia. Tradução: Antonio Braz Teixeira,
Lisboa, Guimarães Editores, 1962, p.p. 17, 75, 78, 81, 83 e 84.