A POTÊNCIA DE DEUS NÃO É SENÃO A LIVRE NECESSIDADE DE SUA ESSÊNCIA
O vulgo entende por potência de Deus a livre vontade de Deus e o seu poder sobre todas as coisas que existem, as quais, por esse fato, são comumente consideradas como contingentes. Efetivamente, diz-se que Deus tem o poder de tudo destruir e de tudo reduzir ao nada. Vai-se mais longe, e compara-se, muitas vezes, o poder de Deus ao dos reis. Mas nós já refutamos isso (...) e demonstramos que Deus age em virtude da mesma necessidade pela qual se compreende a si mesmo, isto é, que do mesmo modo que se segue da necessidade da natureza de Deus que Deus se compreenda a si mesmo (o que todos admitem unanimente), segue-se igualmente, com a mesma necessidade, que Deus produza coisas infinitas, numa infinidade de modos. Além disso, demonstramos (...) que a potência de Deus não é senão a essência ativa de Deus; por consequência, é-nos tão impossível conceber que Deus não age como conceber que Deus não existe. Além disso, se eu quisesse prosseguir, poderia provar aqui que essa potência, que o vulgo atribui a Deus, não é somente uma potência humana (o que mostra que o vulgo imagina Deus como um homem, ou semelhante a um homem), mas que implica mesmo impotência. Não quero, todavia, retomar tantas vezes o mesmo assunto. (...) Com efeito, ninguém poderá compreender perfeitamente o que quero dizer, se não toma muito seriamente cuidado em não confundir a potência de Deus com a potência humana ou com o direito dos reis.
Baruch Espinosa. Ética, Livro II, escólio da proposição 3, trad. de Joaquim Ferreira Gomes.
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